Apresentamos abaixo, trecho retirado do Processo 1184983 – Recurso Ordinário – Inteiro teor do acórdão – onde o Relator: Conselheiro em exercício Sr. TELMO PASSARELI, faz extensas considerações sobre o tema “erro grosseiro”. A leitura é extremamente recomendada.
Por fim, no que tange à existência de erro grosseiro na conduta do recorrente, imperioso fazer alusão às mudanças trazidas pela Lei Federal 13.655/2018, que inaugurou, no escopo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, mudança de paradigma acerca da possibilidade de responsabilização pessoal de gestores públicos em decorrência de atos irregulares por eles praticados:
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
[…]
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Neste ponto, importa mencionar entendimento do Tribunal de Contas da União, consignado no Acordão 2391/2018(4), sobre o tema:
Dito isso, é preciso conceituar o que vem a ser erro grosseiro para o exercício do poder sancionatório desta Corte de Contas. Segundo o art. 138 do Código Civil, o erro, sem nenhum tipo de qualificação quanto à sua gravidade, é aquele “que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio” (grifos acrescidos). Se ele for substancial, nos termos do art. 139, torna anulável o negócio jurídico.
Se não, pode ser convalidado. Tomando como base esse parâmetro, o erro leve é o que somente seria percebido e, portanto, evitado por pessoa de diligência extraordinária, isto é, com grau de atenção acima do normal, consideradas as circunstâncias do negócio. O erro grosseiro, por sua vez, é o que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio. Dito de outra forma, o erro grosseiro é o que decorreu de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave.
[…]
Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “culpa grave é caracterizada por uma conduta em que há uma imprudência ou imperícia extraordinária e inescusável, que consiste na omissão de um grau mínimo e elementar de diligência que todos observam” (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. São Paulo: Atlas, p. 169).
Os aludidos autores invocaram a doutrina de Pontes de Miranda, segundo a qual a culpa grave é “a culpa crassa, magna, nímia, que tanto pode haver no ato positivo como no negativo, a culpa que denuncia descaso, temeridade, falta de cuidados indispensáveis”. (PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, t. XXIII. Rio de Janeiro: Borsoi,1971, p. 72)
Com a edição do Decreto 9.830/2019, que regulamenta as alterações trazidas pela Lei Federal 13.655/2018, inequivocamente estabeleceu-se na legislação a conceituação de “erro grosseiro”:
Art. 12. O agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções.
§ 1º Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
_________________________________________________________________
4 Acórdão n° 2391/2018, Relator Min. Benjamin Zymler, data de publicação: 17/10/2018.